Epicentro dos poetas algarvios

Este irá ser o lugar geométrico dos poetas ligados ao Algarve, por nascença ou por aquisição do título por mérito próprio. Entre Al-Mohtâmid e Nuno Júdice encontraremos muita gente pelo caminho e teremos muito prazer em ouvir de novo Ibn Ammar, João de Deus, António Aleixo e muitos outros valores da poesia desde o Al-Garb Al Andalus até aos nossos dias presentes.
Esta é uma praça aberta a todos, consagrados e noviços. Sejam bem vindos.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

António Aleixo - algumas quadras escolhidas

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu´rer um mundo novo a série.
........
P´ra a mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
........
Engraxadores sem caixa
há aos centos na cidade,
que só usam da tal graxa
que envenena a sociedade.
.......
Se o hábito faz o monge
e o mundo quer-se iludido,
que dirá quem vê de longe
um gatuno bem vestido?
........
Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.
.........
Direi mal, daqui não saio,
apenas canto o que é meu,
não sou como o papagaio
que só diz o que aprendeu.
..........
O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
- quando consigas fazer
mais p´los outros que por ti.
.........
A ninguém faltava o pão,
se este dever se cumprisse:
- ganharmos em relação
com o que se produzisse.
.......
Tu, que tanto prometeste
enquanto nada podias
hoje que podes - esqueceste
tudo quanto prometias...
.......
Falas bem, mas antes queria
que soubesses proceder
menos em desarmonia
com o que sabes dizer.
........
Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado:
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
........
Julgando um dever cumprir,
sem descer no meu critério,
- digo verdades a rir
aos que me mentem a sério.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Gastão Cruz


Nas Muralhas do Mar


Qual dentre as primeiras do
dia é a imagem
da gruta onde a voz
se repercute o
tema do extenso poema
falhado tal o autor o dizia
ansiosamente prostrado
na adoração da morte Do seu

corpo esgotado
pela algidez das águas não sobrava
nenhum tempo vivido entre
as muralhas gerais dessas
cidades Assim
como uma vaga suicida
marcado pela água o corpo à gruta
tal a voz à imagem refluia.

in "O Pianista", (1984)


domingo, 14 de agosto de 2011

Rumaykiya - a escrava rainha

Al-Mutamid passeava-se com o seu amigo e poeta Ibn Ammar pelas frondosas margens do rio Arade, junto a Silves. Era habitual, entre ambos, o ritual do jogo de improvisar versos. De repente levantou-se uma brisa que fez encrespar as águas. Isso serviu de mote a Al-Mutamid que versejou:


" O vento faz da água uma loriga" 


Mas Ibn Ammar demorou a improvisar um verso complementar.
É então que do meio do juncal que bordejava as margens surge uma voz suave e feminina a responder ao jogo:


"Que cota de malha seria se gelasse"


Era a voz de uma talentosa escrava que de imediato mereceu a atenção do príncipe Al-Mutamid. Mais tarde a escrava viria a ser a sua esposa favorita.
Este episódio também é referido como acontecido nas margens do Guadalquivir, em Sevilha, mas a cronologia de outros dados históricos confirmam o Arade como palco deste amor eterno entre o rei-poeta e a escrava.

A poesia árabe

A poesia era muito apreciada pelos árabes. Era cultivada a cada momento abrangendo, em especial, três temas:

- O Madih - que era um panegírico em louvor do mecenas ou patrono que protegia o poeta ou a outra entidade que de momento conviria elogiar;
- O Nasib - que era um poema dedicado à pessoa amada ou evocações de saudade;
- O Rahil - relato de guerras, lutas e aventuras.

domingo, 7 de agosto de 2011

António Ramos Rosa . poema e desenho

Vi-lhe os flancos delicados
como se tocasse o nome
de um navio.
Eram sílabas talvez de um verso puro
ou a dócil matéria
firme
de uma ilha adolescente.

Entre um círculo de ramos
vi-lhe a tímida luz do rosto
e as duas pequenas luas dos seus seios
que estavam vivos e novos
no eléctrico pudor do seu desejo.

Vi-lhe tremer os lábios
como se quisesse suster a iminência
de um gesto eloquente
e ser apenas o murmúrio de uma folha
contra as cálidas palavras
que eu corria o risco de dizer.

Poema nº 11 in "Os Volúveis Diademas"

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Ash Shilbia (a silvense) (sec.XII-XIII)




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Ash-Shilbia, poetisa da época almoóada, nasceu em Silves e foi muito admirada pela sua arte poética e intervenção social.O poema que publicamos refere-se ao descontentamento e protesto dos habitantes perante o rei Ia'qub al-Mansur pelo peso excessivo das taxas e impostos que sobre eles recaiem.




De chorarem os palácios é chegada a hora
Pois as próprias pedras se lamentam.
Ó tu que vais onde a Clemência mora,
Esperando pôr fim às mágoas que atormentam,
Diz ao Príncipe quando chegares às suas portas:
Pastor! Olha as tuas ovelhas quase mortas
Que ficam sem prado para pastar;
Deixaste-as à mercê de muitas feras.
Um paraíso, minha Silves, eras.
Tiranos te lançaram ao fogo do inferno
O castigo de Alá parecendo desprezar:
Porém, nada é oculto para o Eterno.


in: "O Mirante" nº13,1998, órgão da Associação de Estudos e Defesa do Património Histórico-Cultural de Silves - Alves, Adalberto)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Casimiro de Brito

Amar a Vida inteiraPoema nº 42

O corpo, se fosse poema, era para rasgar.
Se fosse folha, para cair. Se fosse mandíbula
para devorar. Rasgado e caindo
levo-te comigo. Mas diz-me, quem és tu,
a carne de uma fada? O arco-íris
num poço secreto? Rasgado e caindo
lembro as nossas caminhadas nas ruas de Paris, vias
um sinal no céu e perdias-te de mim.
O teu corpo não era um poema, o teu corpo
era terra molhada, chão iluminado
e nunca te rasguei. Bárbara e arcaica
quando regressavas da visita a nuvens
que só tu vias e cheiravas. Parece
que dessas travessias
não sei muito mais.
O sangue
pouco a pouco, cegava.


Casimiro de Brito
(in Amar a Vida Inteira, Roma Editora, 2001)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Ibn Ammar

(para Al-Mohtâmid)

Nada me move, meu príncipe,
Senão a tua vontade.
Contigo vou,
Como o viajante nocturno
Guiado pelo clarão dos relâmpagos.
Queres voltar para a tua amada?
Vai num rápido veleiro
E seguirei no teu encalço,
Ou salta antes para a sela,
Contigo irei também.
E quando,
Graças à protecção divina,
Chegarmos aos umbrais do teu palácio
Permite que torne sozinho à minha casa.
Não percas tempo a sacar a espada!
Lança-te aos pés da que tem a cintura delicada
E compensa-a do tempo perdido:
Beija-a e aperta-a contra o peito.
E murmurem vossas bocas
Meigas e doces palavras,
Como os pássaros se respondem mutuamente
Em suaves cantos ao romper da alva.

sábado, 30 de julho de 2011

Nuno Júdice

Ben Ammar, de Silves (m.1086)
Canta, como sombra, uma cidade
que já não existe; e os seus versos dirigem-se
à mulher mais bela do mundo, de
quem não ficam outras memórias
nem retratos. Mas as suas palavras
talvez cheguem
para que adivinhemos o paraíso:
palácios onde a água corria nos pátios,
e o quarto onde a amada descobria o rosto,
perante o espelho, resistindo à tarde
que a empurrava para a varanda,
e os risos cúmplices do namoro,
fingindo ignorar esse poeta que a persegue,
como gazela, tentando prendê-la
à página. Ali, branco no branco
e preto no preto, liberta da efemeridade
da vida, a vou encontrar: sem nome
nem idade, flor eterna
no jardim sem inverno dos amantes.


Nuno Júdice
(in "O movimento do mundo", 1996)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Silves a taifa dos poetas

Al-Mohtâmid - O Rei Poeta



  Evocação de Silves


Saúda, por mim, Abu Bakr,
Os queridos lugares de Silves
E diz-me se deles a saudade
É tão grande quanto a minha.
Saúda o palácio dos Balcões
Da parte de quem nunca os esqueceu.
Morada de leões e de gazelas
Salas e sombras onde eu
Doce refúgio encontrava
Entre ancas opulentas
E tão estreitas cinturas!
Mulheres níveas e morenas
Atravessavam-me a alma
Como brancas espadas
E lanças escuras.
Ai quantas noites fiquei,
Lá no remanso do rio,
Nos jogos do amor
Com a da pulseira curva
Igual aos meandros da água
Enquanto o tempo passava...
E me servia de vinho:
O vinho do seu olhar
Às vezes o do seu copo
E outras vezes o da boca.
Tangia cordas de alaúde
E eis que eu estremecia
Como se estivesse ouvindo
Tendões de colos cortados.
Mas retirava o seu manto
Grácil detalhe mostrando:
Era ramo de salgueiro
Que abria o seu botão
Para ostentar a flor.


A Taifa de Silves (Xilb) Escola de Poetas

Silves era famosa no mundo árabe por ser o centro da cultura da poesia. Diz-se que nesse tempo todos os habitantes eram muito cultos e dotados na arte de fazer poesia de improviso. Por aqui passaram Al-Mohtâmid ( o Rei Poeta do Al-Andalus), Ibn Ammar e muitos outros cuja arte chegou aos nossos dias:
 Ibn Al-Milh, Ibn Habit, Maryam Al-AnsariMississi,  Al-Kurasi, Ibn At-Talla, Ibn As-Sid, Ibn Ar-Ruh, Ibn Qasi, As-Silbia, Muhammad Ibn Wazir e Ibn Badrum.
É nosso propósito começar por publicar poemas desses poetas que escreveram e recitaram nos lugares que são hoje o nosso Algarve. Por isso serão os "fundadores" da nossa confraria.
 (Informação recolhida em publicação da Associação de Estudos e Defesa do Património Histórico-Cultural de Silves).

segunda-feira, 25 de julho de 2011

CONFRARIA DOS POETAS ALGARVIOS

Talvez por herança dos árabes que nos povoaram em tempos remotos e que eram amantes da poesia, o Algarve é muito rico em poetas. Neste sítio, entre o passado e o futuro, entre o litoral e a serra, entre o barlavento e o sotavento, tentaremos ser o epicentro da poesia algarvia. Epicentro porque isso significa o lugar à superfície onde chegam as ondas dos movimentos terrestres que se produzem no interior desconhecido. O que pretendemos é não esquecer o nosso legado poético, por um lado, e dar a conhecer muita da poesia e dos poetas que não vieram à tona.